Bem-Estar

Afinal, por que estamos tão estressados?

Trânsito, trabalho, faculdade ou casa: o estresse é alto e em tantos momentos do cotidiano que, imersos na correria, é difícil até se dar conta da sua presença frequente. O sentimento é normal e quando esporádico, por si só, não carece de investigação, mas a frequência constante é um mau sinal. Nesta reportagem especial, Carla Ramalho (@notrabalho) e Aline Barbosa (@maecrespa) contam seus relatos sobre burnout e estresse.

Em busca de entender a questão em nível nacional, a pesquisa Stress no Brasil 2022: a herança da pandemia da Covid-19 mapeou os índices na população brasileira. Em 2020, mais de 60% dos respondentes sinalizaram problemas com estresse. Já em 2022, 1⁄4 da população vivia estressada. Apesar da melhora, o número segue próximo à média anterior à pandemia, quando a pesquisa foi realizada em 2013 e 2017. Os motivadores mais citados foram instabilidade política, finanças, medo da falta de controle do futuro e sobrecarga de trabalho e família.

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No mundo, a piora dos números com a pandemia, em 2020, é alarmante, mas a questão é antiga. Desde 2010, preocupação e estresse estão em crescimento na população. Os dados são do levantamento Gallup Global Emotions que, há 15 anos, analisa sentimentos negativos em diferentes países.

Segundo os dados brasileiros, é possível que a sensação acompanhe outros problemas, como ansiedade e pânico — na pesquisa, ambos apareciam mais em pessoas que sinalizaram o estresse. Além da possibilidade de estar em companhia, esse pode ser um dos sinais de que há algo maior errado, como depressão e burnout. Com um sentimento que se tornou tão rotineiro e comum, surge a necessidade de questionar: afinal, por que nos estressamos?

Problema comum

É preciso levar as crianças à escola, responder e-mails, gravar, organizar a casa e fazer o almoço. Tudo em pouco tempo, ao mesmo tempo e a todo tempo. Quando algo quebra a lógica programada, estresse e irritabilidade surgem. A aceleração do cotidiano esgota física e emocionalmente e não abre brechas: é necessário produzir muito e de forma ininterrupta.

A rotina de Aline Barbosa, de 34 anos, é um exemplo disso. Mãe solo de quatro filhos, influenciadora digital, podcaster e palestrante, ela compartilha o dia a dia nas redes sociais para cerca de 25 mil seguidores. “Eu sempre falo: nem eu sei como dou conta”, comenta.

A equação de educar os filhos desbalanceada não é uma exclusividade da história de Aline. A sobrecarga feminina é comum e as mulheres dedicam quase o dobro de tempo em relação aos homens aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos — são 11,7 horas semanais deles, enquanto elas dedicam 21,3 horas. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Sem direito à pausa

O pensamento de que não poderia parar levou Aline ao esgotamento mental há três anos. “Por ser mãe solo, eu não negava trabalho. Todas as demandas que me eram apresentadas eu aceitava, pois precisava manter a casa e quatro crianças. Isso me gerou um estresse muito grande e veio o burnout”, relata.

Voltada à carreira, desenvolver a síndrome é um dos riscos da rotina estressante. Segundo estimativas da International Stress Management Association (Isma-BR), 32% da população economicamente ativa no Brasil sofre de sintomas de burnout.

Cansaço excessivo, negatividade constante, isolamento e sentimentos de fracasso e desesperança são alguns dos sinais mentais do problema. A lista, elaborada pelo Ministério da Saúde, se estende ainda a questões físicas como pressão alta, dor de cabeça e alteração de batimentos cardíacos.

Para Aline, foi preciso reorganizar o que sentia para conciliar as múltiplas funções sem gerar sobrecarga. Na época, parar não era uma possibilidade, mas agora ela busca alternativas para diminuir o estresse — e, consequentemente, as chances de reviver o episódio que marcou seu passado.

“Busco ver o lado positivo, me cobrar menos e entender que imprevistos e contratempos acontecem, tanto na maternidade, quanto no trabalho”, sintetiza. Como ferramenta no cotidiano, Aline procura organizar o dia para evitar problemas e, para isso, mantém a agenda atualizada e os alarmes do celular ligados para marcar compromissos.

Cuidar de si

A lucidez com a criação dos filhos e com a necessidade de reorganização do trabalho não veio aleatoriamente. Foi preciso a virada de chave com os problemas de saúde para que cuidar de si se concretizasse como uma prioridade no cotidiano.

Hoje, na rotina, a profissional inclui sessões de terapia e exercícios físicos. Sair para tomar um café sozinha ou encontrar os amigos e ser “apenas a Aline” também auxilia a equilibrar o dia a dia. “Se toda mãe tiver um tempo pra si, a maternidade pode ser menos pesada”, comenta.

Em família

O estresse não é um sentimento restrito aos adultos e pode surgir em qualquer fase da vida, inclusive na infância. Com quatro filhos de idades distintas — Laura, de 14, Vicente, de 9, Joaquim, de 7, e Antônia, de 4 anos —, Aline enfrenta a situação em fases particulares. Aprender a lidar com a frustração na infância é um desafio para as famílias. A reação natural, por vezes, é de não aceitar que a criança expresse aquela emoção. O caminho contrário, no entanto, é mais benéfico para ambos: os filhos expressam o que sentem e os pais melhoram o vínculo afetivo familiar. “Eu aprendi que as crianças
também têm esses momentos e que a melhor forma de ministrar esse sentimento é a conversa”, conta.

Esgotamento mental

Carla Ramalho construiu uma carreira consolidada no marketing de empresas de beleza. Com o tempo, cansaço e sobrecarga sinalizavam que algo estava errado. Em uma consulta médica, a indicação de buscar um psiquiatra veio e, então, recebeu o diagnóstico: burnout. A profissional optou por pedir demissão para que pudesse se reestruturar novamente.

Por meses, mesmo após o desligamento da empresa, as sequelas foram intensas e os gatilhos eram vários — o som da ligação de vídeo-chamada era suficiente para despertar reações ruins. Foi preciso tempo para que os recursos terapêuticos e os sentimentos se organizassem. Hoje, familiares e amigos auxiliam na tarefa de sinalizar quando o limite está sendo extrapolado. A sensação é de que o problema pode se repetir e, por isso, a atenção aos sinais do corpo é fundamental.

Em um de seus vídeos, Carla comenta que falar sobre o burnout é doloroso, mas necessário para alertar outras pessoas. Nas redes sociais, com o @notrabalho, a profissional totaliza mais de 450 mil seguidores. Lá, compartilha conteúdo sobre beleza, marketing e carreira e chegou a marca de três milhões de curtidas no TikTok.

Consciência e limite

A construção de carreira passa por vários sacrifícios: às vezes é necessário morar longe do lugar dos sonhos, o tempo livre não é tanto quanto você gostaria e, em alguns momentos, acumular horas
extras pode ser preciso. Para Carla, o fundamental é entender qual a meta profissional está por trás das decisões.

Após a jornada pessoal de esgotamento, o caminho do meio, para ela, parece ser o mais correto: é imprescindível alinhar expectativas e ambições de carreira para que os resultados não desapontem e as concessões, desde que conscientes e saudáveis, possam valer a pena.

Hora de pausar

Quando recebeu o diagnóstico, Carla analisou sua situação emocional e financeira e optou por pedir demissão. A decisão brusca só foi possível devido ao planejamento de finanças que mantinha. Para quem deseja parar, ter alternativas é necessário. Como sugestão, a profissional acredita que manter hobbies que possam ser monetizados em casos de desligamentos pode ser uma estratégia. “Quanto mais mecanismos que te deixarem seguro, melhor”, sintetiza.

Lado inverso

Após a pausa na carreira, Carla inverteu seu papel na equação e se tornou empresária. As preocupações com os limites passaram a se estender, agora, aos colaboradores que contrata. “Hoje eu dito as regras do jogo na minha empresa. Tento fazer pelos outros o que eu esperava que fizessem por mim”, comenta.

Priorizar uma relação mais leve não impacta somente o relacionamento da equipe, mas também o fluxo de produção. “A produtividade está ligada ao quanto a ‘máquina roda bem’ e não ao quanto você trabalha de maneira ininterrupta.”

Como estratégia, Carla toma algumas precauções no escritório para impedir que essas questões retornem. Desabilitar notificações após o horário de trabalho, não levar o notebook para casa e ter reuniões objetivas e com limitações de tempo são parte da medida.

No novo ambiente, também foi necessário aprimorar a gestão de pessoas. “É preciso falar o que você quer, do jeito que o outro quer ouvir”, exemplifica. A liderança horizontal, que fornece abertura para a expressão da equipe, é um fator que contribui.

De onde vem

“O estresse é uma reação física, mental e emocional de quando temos uma pressão maior do que aguentamos”, indica a psicóloga e mestre em Psicologia Social, com especialização em Psicologia Positiva, Charlotte Spode. Segundo a profissional, ele é um sinal de que algum limite foi ultrapassado.

A sensação é normal e faz parte do cotidiano em diferentes áreas da vida — seja na família, com amigos, no trabalho ou, até mesmo, em hobbies e atividades de lazer. O alerta deve ser aceso, no entanto, se o problema se intensificar ou estiver acompanhado de outros sentimentos negativos.

Para Charlotte, a questão aumentou na sociedade à medida que recebemos mais estímulos e o mundo ficou mais acelerado. Lidar com esses excessos em pouco tempo é complexo para a mente humana e o corpo paga a conta: estresse, cansaço e fadiga são alguns dos sintomas que podem fazer parte do dia a dia. A crença de que precisamos produzir a todo momento também provoca problemas, pontua a especialista.

Na outra ponta da equação, se não administrar bem suas reações, o estressado dissemina o sentimento negativo. Em encontro a isso, Charlotte comenta que a família acaba por receber os impactos do cenário de aceleração do trabalho. 

Quando parar

Se o problema está na velocidade dos acontecimentos e no excesso de demandas, estabelecer limitações é a alternativa. “É importante se questionar ‘Onde estão meus limites? Do que posso abrir mão e do que não posso?’”, sugere Charlotte. Ter momentos no cotidiano em que você possa parar, se perceber e respirar é uma recomendação da profissional. A parada de maneira consciente é benéfica para a mente e complementar a outras ações, como o processo psicoterapêutico. No dia a dia, por exemplo, manter relações saudáveis e realizar atividades físicas ajudam a controlar o humor — ações como essa ajudam, também, a aumentar a expectativa de vida.

É um problema feminino?

Na pesquisa Stress no Brasil 2022: a herança da pandemia da Covid-19, as mulheres sinalizaram o problema mais vezes do que os homens — com a predominância em 25,2% do público do sexo feminino, contra 16,8% do masculino. Com base no histórico do levantamento, os anos anteriores confirmam a prevalência. A psicóloga Charlotte Spode indica alguns dos motivos que levam a esse número. “É muito claro que as mulheres têm uma sobrecarga maior com a casa e com os filhos. Embora não seja uma obrigação natural, existe uma cultura que delega a elas esse espaço”, sintetiza.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022 confirmam o cenário. No comparativo entre trabalhadores, as mulheres ocupadas dedicaram quase sete horas a mais aos cuidados do lar e de pessoas, em comparação aos homens. Em números totais, apenas 80,8% deles contribuem, de alguma forma, a essas tarefas — em contrapartida ao total de 92,1% de pessoas do sexo feminino. Em um contexto de sobrecarga, Charlotte recomenda: “É preciso parar e se questionar: ‘quais direitos meus não estão sendo respeitados dentro da minha própria família?’”.

Enfrentamento

O levantamento brasileiro indica algumas das formas mais comuns de enfrentar o estresse. Procurar meios para lidar com o problema, por exemplo, é a mais popular das decisões, tomada por 43% dos respondentes. Na sequência, fazer exercícios físicos, conversar com amigos e assistir TV são escolhas de, em média, 39% do público. Para 34%, buscar um psicólogo era uma alternativa. Por fim, cerca de 33% também sinalizou rezar, orar ou fazer irradiações para lidar com o sentimento negativo.

Amanda Bernardo

Graduanda de jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Cobre eventos e novidades de beleza, com foco em tendências e lançamentos de cabelo. Tem experiência em cobertura de feiras sobre decoração, como CASACOR e Mostra Glass. Além de repórter no digital, integra a produção do programa de rádio Like 103.3, do impresso e das redes sociais. Apaixonada pela escrita e por séries, livros e filmes de comédia romântica.

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