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Disruptiva: quem é a Geração Z?

Possivelmente você já ouviu falar de Greta Thunberg. A ativista socioambiental de apenas 20 anos teve seus esforços reconhecidos globalmente, sendo indicada três anos consecutivos, de 2019 a 2021, ao prêmio Nobel. Também foi nomeada como uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista Times e uma das cem mulheres mais poderosas do globo pela revista Forbes. Mas, o que esta jovem tem de incomum? Não pode ser somente a intensa insatisfação com o sistema e cenário ambiental, político, econômico e social, porque essa sensação outros também carregam. Portanto, é possível dizer que se trata de uma atitude disruptiva. A mesma que move grande parte da Geração Z, da qual ela faz parte.

Nascidos entre 1995 e 2010, essa parcela da população é caracterizada por quebrar paradigmas, criar tendências e questionar, conforme aponta a recente pesquisa comportamental realizada pela plataforma McKinsey & Company. De acordo com o levantamento, a Geração Z representa 20% da população do Brasil e, também, um marco social. Em contexto mundial, os Gen Z compõem 30% da população, segundo a companhia Worth Global Style Network (WGSN).

Tais características os diferenciam das demais faixas etárias e impactam na maneira como eles se percebem na sociedade e se relacionam com as marcas. Capazes de viver em espaços híbridos, os nativos digitais estão transformando a indústria da moda, o consumo e a carreira, segundo afirmam o antropólogo, Andrey Mendonça, o especialista em carreira, Rafael Souto, e o estilista, designer e pesquisador, Walter Rodrigues. A seguir, saiba quem é a Geração Z e quais mudanças socioculturais e de mercado estão sendo traçadas para o futuro.

Progressos transgeracionais

De acordo com o professor de antropologia da ESPM/SP, Andrey Mendonça, as gerações são o reflexo do contexto social na qual estão inseridas e, à medida que há avanços, as mudanças aceleram. “As sociedades anteriores, que chamamos de sociedades tradicionais, passaram séculos tendo comportamentos muito semelhantes e a partir dos anos 1990 e 2000 percebemos que muda muito mais rápido”, pondera. A popularização da internet, a consolidação das mídias sociais, e a perspectiva da digitalização global são características que marcam a transição destas duas décadas, segundo ele.

Andrey Mendonça
Arquivo pessoal Andrey Mendonça

Para a estudante de engenharia química, Fernanda Padilha, 21, o cenário atual propicia mais liberdade de expressão e autenticidade. “Hoje existe mais liberdade, sinto isso conversando com pessoas em geral. Acredito que nossa geração está mais atenta e que o acesso facilitado à informação faz a gente navegar por outras ideias e pensar sobre perspectivas diferentes”, observa.

Fernanda Padilha
Arquivo pessoal Fernanda Padilha

Contudo, apesar do mundo on-line gerar mudanças relevantes, o professor alerta sobre a “inércia tecnológica”. “Se refere aos ativistas de sofá, que até postam nas redes, mas não se movimentam de fato, podem estar apenas reproduzindo comportamentos. Por exemplo, postar sobre o fenômeno ‘Black Lives Matter’ não significa que a pessoa entende o que é racismo estrutural.”

Na visão de Fernanda, o ativismo de sofá é notório em alguns jovens, principalmente por causa da necessidade de autoafirmação. “Dentro da minha bolha o pessoal é mais ativo, mas existe muito isso. É fácil compartilhar porque gostou e concorda com a ideia, e no fundo não seguir aquilo. Às vezes, o compartilhamento acontece para mostrar que se importa.”

Ativismo real

Embora o comportamento dos Gen Z seja descrito por valores e características comuns, Mendonça explica que não se deve generalizar, uma vez que nem todos estão voltados para os mesmos sentidos. “Existe uma parte privilegiada, mas é a minoria. Muitos estão no corre e, ao mesmo tempo que encontramos um engajamento, afinidade com questões políticas, econômicas e sociais, a maioria está concentrada no seu próprio futuro”, argumenta.

“Eu confio nas gerações, mas, às vezes, faço a reflexão de que talvez esta já não fará tanto a diferença”, afirma Fernanda. Segundo o antropólogo, essa dúvida é plausível e pode auxiliá-los a compreender a relevância dos movimentos sociais. “É um momento crucial para a geração pensar sobre o que merece mais que uma postagem. Conversar sobre os temas no trabalho e seu papel. Isso pode contribuir para um mundo melhor. Eu sou otimista e acredito que esse seja o objetivo de todo o professor”, pontua.

As estimas são confirmadas pelo estudo da unidade de inteligência global do McCann Worldgroup, intitulado “Truth About Generation Z”, tradução para “Verdade Sobre a Geração Z”, realizado com 2.500 jovens entre 18 e 24 anos, em 26 países. Os dados revelam que 66% deles dizem que sua geração pode resolver problemas mundiais e que 81% dos brasileiros acreditam ter a responsabilidade de contribuir com o meio onde vivem.

Dados que impactam

20% dos brasileiros são Geração Z
66% acreditam que podem resolver problemas globais (mundial)
69% estão dispostos a pagar mais por marcas que abraçam causas (mundial)
70% acreditam que é necessário ouvir pessoas diferentes (mundial)
70% buscam comprar de empresas éticas (mundial)
65% verificam a origem dos produtos (mundial)
80% recordam de algum escândalo corporativo, que os levaram a deixar de consumir na respectiva empresa (mundial)

Fonte: McKinsey & Company e McCann Worldgroup

Trabalhar para ser feliz

Estes ímpetos de mudança também impactam o mercado de trabalho, permeando toda a pirâmide demográfica e transformando a maneira de se pensar a carreira. Enquanto as gerações anteriores acreditavam que quanto mais tempo em uma empresa melhor, os Gen Z buscam por organizações que estejam alinhadas com seus princípios e valores, trocando de emprego quando preciso.

Rafael Souto
Divulgação Rafael Souto

Para o especialista em carreira e CEO da agência Produtive, Rafael Souto, esta transição de ideal está associada ao propósito profissional. “As gerações anteriores trabalhavam por necessidade e não para ser feliz. A obrigação era ser feliz por estar trabalhando”, observa. O especialista ressalta que o protagonismo da Geração Z tem relação com a permissão de escolha. “São pessoas que olham para seus objetivos e aceitam receber menos para serem mais felizes. São jovens que lutam por realização e por empresas que combinam com seus valores.”

Conforme aponta o estudo da McKinsey & Company, outra forte característica deste grupo é a propensão ao diálogo e a abertura para escutar. “Eu não busco cargos de liderança, mas me coloco nesse lugar às vezes. Acredito que as pessoas precisam ser abertas e ouvir a opinião de todos para gerar bons resultados”, afirma a estudante de engenharia química, Fernanda.

Algumas eras findam, outras iniciam

Para Souto, exercer a escuta qualificada é o principal desafio das empresas. “Ampliar os diálogos é um desafio. Muitos líderes não estão preparados para lidar com a Geração Z e a diversidade de escolhas, porque pertencem ao modelo de comando e controle.” A fim de transformar essa cultura, o especialista indica trabalhar em conjunto com a área de Recursos Humanos.

“Os líderes de gerações passadas podem aprender com a capacidade que esta tem de se mobilizar, ser criativo e coerente com suas crenças”, diz. Souto também salienta a importância dos jovens compreenderem a inexistência do emprego perfeito, bem como, que a construção da carreira leva tempo e exige constância.

Para ele, generalizar é um risco, pois na equipe pode-se ter pessoas da mesma faixa etária, com perfis opostos. “A grande habilidade de um gestor é conseguir personalizar, não inferir, não impor e compreender os interesses genuínos, provocando o indivíduo a refletir o que faz sentido para ele. Não é rotulando e criando estereótipos que vamos conseguir ter a melhor conexão. Eu chamo isso de era da personalização do trabalho.”

A influência da sociedade digital

Aspecto fundamental na vida dos Gen Z, o universo digital interfere intensamente nos negócios. Como exemplo, Souto cita o youtuber Casimiro, que com o canal CazéTV mobilizou milhões de espectadores durante a transmissão da Copa do Mundo 2022, competindo, inclusive, com uma das maiores emissoras do País. “Estes são sinais claros de mudança. A empresa que não considerar a existência desse universo vai perder espaço. Aproveitar a diversidade de visões dos nativos digitais para construir uma organização mais heterogênea, atualizada e arejada vai impactar, porque o consumo está mudando.”

O profissional também ressalta sobre a consciência do jovem no aspecto ambiental. “A Geração Z pode ser uma boa inspiração para a pauta ESG” – Environmental, Social and Governance, traduzido para Governança Ambiental, Social e Corporativa.

Gen Z
Adobe Stock Gen Z
Conexões significativas

A fim de desenvolver uma trajetória profissional de valor, Souto aconselha que os jovens olhem menos para o futuro como algo fixo e considerem mais as experiências significativas que desejam ter. Ainda, o especialista questiona: “Que conhecimentos você quer adquirir? O que gosta de fazer? Onde deseja atuar? Quer trabalhar gerindo pessoas? Que temas te encantam? Quer uma carreira internacional? O que é importante para você?”

Ressignificação do consumo

O padrão de consumo realmente está mudando. De acordo com o levantamento Truth About Generation Z, 69% da Geração Z global estaria disposta a pagar mais por um produto se soubesse que a marca está apoiando uma causa coletiva. Para o estilista, designer e pesquisador, Walter Rodrigues, embora eles não tenham poder de compra definido, a influência é grande, pois atingem gerações passadas. “Acredito que o ponto principal é que eles nascem absolutamente conectados e isso faz com que se questionem sobre o futuro e sobre como a indústria pensa a sustentabilidade.”

Segundo Walter, além de não criar vínculos ou fidelidade com as marcas, essa geração busca por materiais sustentáveis e empresas que defendem movimentos. O pesquisador salienta a urgência de estar preparado para atender esse público no que diz respeito à moda. “É interessante pensar o quanto há para melhorar. Eu tenho a impressão de que quem não começar a se fortalecer nesses quesitos e não estabelecer uma comunicação, em cerca de seis anos terá dificuldade no mercado”, pontua.

Estilista, Walter Rodrigues
Zé Roberto Muniz – Estúdio Ram Estilista, Walter Rodrigues
Design como ponte

Enquanto designer, Walter salienta a importância dos criativos de outras idades considerarem esta nova consciência e os desejos dos Gen Z para o desenvolvimento de produtos e tendências. “Para mim o equilíbrio é entendermos o design como ponte. Como eu empresa/produto vou atingir esses clientes e não ser volátil? Como vou abordar questões pertinentes e que impactam o futuro das pessoas? Através do design podemos auxiliar as indústrias e fabricantes a terem um posicionamento correto sobre sustentabilidade e particularidades da moda.”

Segundo a pesquisa Truth About Generation Z, 70% da Geração Z mundial acredita que para chegar a uma ideia criativa é necessário ouvir indivíduos que pareçam diferentes e pensar fora do padrão. Em relação a isso, Walter sugere que as empresas integrem jovens às equipes. “Contratar pessoas que vão ajudar no rejuvenescimento e frescor, trazer novas percepções de mercado é importante. Hoje em dia o processo não se trata de produzir, vender e comprar, é muito mais. É preciso fidelizar, abraçar causas, entender as pessoas e estabelecer uma conexão.”

Relação transparente

Conectada e com acesso à informação, a Geração Z atualiza-se constantemente sobre as marcas que se identificam e usam, formando opiniões potentes. O levantamento também aponta que 70% dos entrevistados procuram comprar de empresas éticas, sendo que 65% deles verificam a origem dos produtos, como materiais, processos e local de fabricação. Segundo insights de consumo da WGSN, a tecnologia do rastreamento é uma tendência de negócios e uma expectativa do consumidor para 2024, aderida por grifes como Armani, Chloé e Mulberry.

Ainda, os dados revelam que cerca de 80% dos consumidores lembram de escândalos ou controvérsias envolvendo alguma organização, sendo este um fator decisivo para deixarem de ser clientes. Contudo, a pesquisa também demonstra um comportamento mais tolerante da Geração Z, afirmando que, quando as ações são reparadas, tendem a aceitar e voltar atrás.

Para Walter, a empresa que não se preocupar com essa relação perderá espaço. “Não existe mais nenhuma porta de negócio que não seja pela comunicação. O preço pode ainda ser uma vantagem, mas não é mais a principal vantagem de um produto. Essa mudança tem data pra acontecer e está em curso, ela não vai ser desestimulada nem interrompida. É o momento de pensar sobre os projetos de vida da Geração Z”, finaliza.

Assim como as pesquisas, os especialistas confirmam o engajamento da Geração Z com causas ambientais, de diversidade, inclusão e equidade social. Jovens pelo mundo estão traçando valores e liderando movimentos que impulsionam uma transformação necessária na Terra.

Gen Z
Adobe Stock Gen Z

Daiani Aguiar

Jornalista formada pela universidade Feevale e pós-graduanda em moda pela PUCRS, com cursos de branding pessoal e fashion content. Atua na comunicação desde 2020, com experiência em rádio, agência de marketing, assessoria de imprensa e hard news. Comunicadora do Like 103.3 na ABC FM e repórter nos veículos segmentados do Grupo Sinos, realiza entrevistas e produz reportagens especiais. No impresso, no digital e nas mídias sociais, produz conteúdo multiplataforma sobre as tendências em moda, lifestyle e beleza. Presta assistência em editoriais de moda e cobre as principais feiras calçadistas da América Latina. É defensora dos Direitos Humanos, não come carne e ama gatos, filmes clássicos e viagens.

E-mail: daiani.aguiar@gruposinos.com.br

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