O Dia do Professor é celebrado em 15 de outubro e, por isso, neste mês, a Like Magazine produziu uma reportagem especial para prestigiá-los. A seguir, confira relatos de reflexão e reconhecimento à profissão que impacta as pessoas em todas as esferas e fases da vida.
Nas últimas décadas, expandiu-se o consenso de que um país só se desenvolve ao acessar direitos, reduzir disparidades e construir gerações preparadas. Contudo, em julho deste ano, o Governo anunciou um bloqueio de R$ 1,5 bilhão em oito ministérios para cumprir o teto de gastos. Como segundo mais afetado está a Educação. O corte foi de R$ 332 milhões, conforme medida publicada no Diário Oficial da União. De acordo com o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, a pasta costuma figurar entre as mais atingidas porque recebe um dos melhores orçamentos.
Ao encontro disso, discursos globais citam a educação como ferramenta de transformação social e econômica, enquanto professores, gestão escolar e pedagógica, primeira infância, alfabetização e redes de ensino enfrentam um cenário crítico. “Idolatram o professor, mas ao mesmo tempo não entram no barco para remar e fazer algo de qualidade. Dizer que é bom e bonito importa, mas a falta de entendimento coletivo sobre o que é a educação me incomoda. Se é um dos aspectos mais importantes, por que não pensamos mais sobre?” A ponderação da pedagoga, Larissa Gehlen, 31 anos, expõe uma contradição e evidencia a realidade enfrentada pelos mais de 2,5 milhões de professores do Brasil.
O relatório “Percepção da população brasileira sobre a profissão professor”, realizado pelo Instituto Península, em parceria com a Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), aponta que 98% dos brasileiros acreditam no poder de transformação do professor. Contudo, apenas 25% percebem a equivalente valorização. Nesse sentido, é fundamental dignificar quem está à frente da sala de aula, melhorar as condições de trabalho e investir em políticas coerentes.
Desafios da pandemia
Em 2020 o ensino convencional foi interrompido no mundo. A notícia de que o coronavírus havia chegado abalou a todos da mesma forma, gerando pânico, incerteza e desafios. Para a pedagoga e professora da rede pública de Novo Hamburgo e São Leopoldo, Larissa Gehlen, esse período representou o medo sobre a vida e também sobre a carreira. “Me formei e chegou a pandemia. Estava muito difícil entrar no mercado de trabalho”, lembra.
Segundo o censo “Resposta educacional à pandemia de Covid-19 no Brasil”, promovido em 2021 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 99,3% das escolas brasileiras suspenderam as atividades presenciais em decorrência da situação sanitária. O mapeamento também aponta que a rede pública sentiu uma necessidade maior de adequações se comparado à privada.
No entanto, foi no meio da dificuldade que a pedagoga encontrou uma maneira de se reinventar antes
mesmo do primeiro contato escolar. “Logo uma amiga me pediu aulas particulares para a afilhada de
seis anos. Então, nesse período eu passei a alfabetizar crianças. Uma família indicou para outra e consegui
mais alunos. Eu sentia muito medo, mas sem renda não tinha outra opção. Levava álcool gel e máscara
para sempre nos proteger. Assim, eu conheci a pandemia na educação.”
Realidades enfrentadas
Passado mais de um ano, Larissa teve sua primeira experiência como professora em sala de aula. “Era uma escola particular de São Leopoldo, em uma turma do 5º ano. Entrei cheia de expectativa, mas a pandemia impôs muitas barreiras e não conseguia fazer os planejamentos como gostaria. Percebi a dificuldade das crianças em se relacionar, estavam muito retraídas e era nítida a diferença de quem havia recebido apoio em casa”, lembra.
Em 2022 ela entrou na rede pública e constatou as consequências graves da disparidade social. “Percebi que os conteúdos da privada não estavam tão defasados quanto os da pública. Era uma lacuna muito grande. E não estou dizendo que a rede pública não é boa, mas que as condições de uma escola particular são outras. Na pública muitas crianças não tinham celular ou era um para a família inteira e, às vezes, sem internet. A diferença não está só no conteúdo, mas em todo o cenário. E seguimos vendo o abismo que sempre existiu”, pondera.
Dores e delícias docentes
Atualmente, Larissa leciona para turmas de 4º e 5º ano, além de dar aulas particulares. No entanto, sente a necessidade de estar inserida em espaços de liderança. “Sou pós-graduanda em coordenação pedagógica porque gosto de estar em contato com a família. Dessa forma, passo a entender muito do que está acontecendo com a criança. Um aluno que não está respondendo em sala de aula pode estar sem comida, higiene ou afetividade em casa. A partir disso, é possível definir estratégias para o desenvolvimento socioemocional e cognitivo. Me vejo fazendo esse trabalho, que também é papel da escola”, pontua.
Em relação às delícias da profissão, a professora menciona a autonomia e o aprendizado desenvolvidos pelos estudantes. “Não é só perceber que estão absorvendo o conteúdo, mas que deixaram de ter
medo de ir ao banheiro porque os métodos traçados deram certo. Essa é a maior alegria de um professor. Eu sinto que a minha pedagogia é a da escuta e da sensibilidade. Conteúdo podemos esquecer, mas sempre vamos lembrar de quem nos deu a mão.”
Vocação para lecionar
“Quando comecei a cogitar pedagogia muita gente disse para eu não fazer: ‘não vai ganhar dinheiro e só vai se incomodar, porque é uma profissão desvalorizada’, isso tudo o que já sabemos”, relata a professora. Mas, ainda assim, ela insistiu naquilo que sentia ser sua vocação.
Aos 11 anos Larissa contribuiu com a alfabetização da vizinha e da prima, aplicando com a dupla o que aprendia no colégio. “Venho de uma família muito ligada à educação, talvez, conscientemente ou não, isso se tornou uma referência. Minhas brincadeiras de infância eram sempre dar aula. Eu acredito
que não importa o ramo escolhido, mas que se fizermos algo que gostamos, criamos perspectivas para desenvolver formas novas de pensar e fazer a educação. É assim que nascem os projetos. Tudo pode ser melhor. Não é porque me disseram que eu seria frustrada, que eu vou desistir.”
Lições importantes
O contexto incerto de ensino e aprendizagem também afetou os dentistas leopoldenses Michele Krause, 49 anos, e Marcos Chevarria, 47. O casal precisou adotar meios de assegurar o processo de alfabetização das filhas Érica, 14, e Olívia, 9, que na época, com quase 6 anos, foi a mais atingida. “Ela estava no
último ano da educação infantil e depois passaria à primeira série. A mais velha tinha domínio das ferramentas on-line e lidou bem com as tarefas escolares, mas a pequena teve muita dificuldade”, conta a mãe.
Para Michele, perceber os desafios e a responsabilidade de lidar com o cognitivo das filhas apenas reforçou a missão dos professores. “Tivemos que convencer Olívia de que precisava acompanhar as aulas. A pessoa que ajudava em casa não conseguia auxiliar também. A escola tentou suprir o convívio escolar, mas foi muito difícil”, conta.
Com aulas remotas intercaladas, o rendimento de Olívia estava decaindo. “Quando começaram muitas demandas de atividades não conseguimos mais acompanhar, porque eu não podia riscar três agendas da clínica e não me sentia apta. Assim, percebemos a necessidade de uma educadora que fizesse esse papel para nós, afinal, era o início da alfabetização e nem todos conseguem ensinar.”
Decisões importantes
A partir da decisão de contratar uma pedagoga, Michele sentiu-se aliviada. “Ficamos bem mais tranquilos, porque antes, ao chegar do trabalho e perguntar se Olívia havia acompanhado as aulas, a cuidadora doméstica respondia que não tinha nem ligado o computador”, compartilha.
No início, o apoio pedagógico iniciou duas vezes na semana, mas o casal entendeu que o progresso surgiu devido ao professor e não às aulas. Dessa forma, optaram por transferir a filha da escola privada para a pública e aumentar o acompanhamento particular. “Resolvemos investir na pessoa qualificada para o ensino, que aumentou a frequência da assistência.”
Embora Olívia tenha retornado à rede privada e esteja com desempenho acima da média na escola, para os pais permeia a dúvida sobre o desenvolvimento da aprendizagem da filha mais nova. “Nunca saberemos se foi devido à pandemia ou se o ritmo dela era diferente, mas foi bem mais complicado para ela aprender a ler e a escrever do que para a Érica, que viveu uma fase normal”, comenta.
Marcas do isolamento
A educação perpassa a prova, o caderno e o conteúdo do quadro. Tem como pilares, além do processo de ensino, o contato humano e a relação interpessoal. É no ambiente escolar que se estabelecem as primeiras noções sociais, sendo este um lugar fundamental no desenvolvimento intelectual e emocional de qualquer cidadão. Uma sala de aula segura é capaz de promover impactos profundos na infância e, consequentemente, na vida adulta de todas as pessoas.
Para Olívia, esta falta marcou. “Ela gosta de socializar, de estar com a turma, de bagunçar. Foi bem complicado ter que ficar em casa, assistir às aulas remotamente. Não tinha brincadeira com os amigos ou a hora do pátio. Sentimos que afetou muito o lado emocional por precisar ficar isolada. Chorava e questionava por que não podia ver as amigas. Depois de certo tempo ela passou a entender, mas ainda assim não aceitava. Foi bem forte e difícil”, desabafa Michele. Com o comportamento mais introspectivo, as mudanças causadas pela pandemia não afetaram tanto Érica. “Ela gosta de ter o momento dela com as amigas, mas adora a sua individualidade.”
Resgate e sensibilidade
Na percepção da pedagoga Larissa, sustentada por pesquisas comportamentais, as gerações Alpha e Z estão mais suscetíveis a desencadear depressão, ansiedade e demais problemas de saúde mental devido ao confinamento domiciliar. Por isso, a professora reforça a necessidade de repassar conteúdos e exercitar o olhar sensível educacional.
“Não devemos seguir como sempre foi. É preciso fazer resgates e não importa se vai demorar cinco, dez, 15 ou 20 anos. O importante é olhar para uma criança, um adolescente ou jovem, entender que não tiveram seu direito à educação como deveria ser e buscar alternativas para tornar mais leve. Um professor do 3º ano não terá sucesso sem adaptar o planejamento pedagógico”, defende.
Carreira em descensão
Na profissão há mais da metade de sua vida, o mestre em Educação e professor de Sociologia e Filosofia, da Faculdade IENH, Marcelo Vier, 51 anos, enxerga a realidade docente como preocupante, uma vez que
há queda no interesse de lecionar. “Tenho observado surgir poucos professores. Sinto falta de políticas públicas que abram perspectivas de crescimento profissional. Tenho observado que alguns buscam a carreira, entram na escola e não sustentam a escolha.”
Além disso, Marcelo pondera os desejos sociais, como o retorno financeiro breve. “A carreira do professor não é bem vista em relação a isso e as políticas não contribuem para que seja entendido de uma forma diferente.” De acordo com a pesquisa do Instituto Península citada anteriormente, 71% dos brasileiros entendem a carreira docente tão rigorosa como outras que exigem graduação. Ainda, 39% consideram que não há estabilidade financeira para funcionários públicos.
O mapeamento também aponta diferença na percepção de valorização, principalmente se comparado a médicos e advogados brasileiros. “As pessoas compreendem que é preciso de professor para que qualquer carreira possa existir, mas talvez não dimensionem a importância do processo escolar na formação dos profissionais”, argumenta Marcelo.
Não é só o salário
É de senso comum que a educação de qualidade é fundamental para formar uma sociedade crítica e ativa. Que, quando acessado, o conhecimento cria oportunidades, transforma vidas, promove o desenvolvimento econômico de nações e reduz desigualdades. Mas, apesar disso, dia a dia permeia-se a desvalorização dos principais agentes deste papel: os professores.
“Nos sentimos desvalorizados. Um dos aspectos é o salário, mas também está relacionado às políticas educacionais. A falta de acolhimento e escuta é uma forma de desvalorização. Não direcionar um olhar para saber se estamos tendo tempo de qualidade, de planejamento e para assistir os alunos é desvalorização. Desejar interferir na maneira como damos a nossa aula, é uma desvalorização, porque ninguém fará isso com um médico, não é?”, questiona a pedagoga e professora, Larissa Gehlen.
Em 2017, 45% dos municípios brasileiros não cumpriram o piso salarial. Em 2018, apenas 18% dos professores dos anos finais do ensino fundamental do Brasil relataram estar satisfeitos com seus salários. E, embora os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) assustem, também revelam outra verdade: 76% deles escolheriam novamente ser professor, especialmente porque entendem a relevância e a contribuição da educação para a sociedade.
Espelho da sociedade
Para Marcelo, a educação é o principal pilar social. “Sempre digo que quando há críticas à instituição e ao professor, por vezes, se esquece que a escola retrata a sociedade. Existe muita complexidade dentro da sala de aula, ainda mais numa situação pós-pandêmica. A educação precisa ser entendida como parte da estrutura social e o funcionamento dela como possibilidade de troca e crescimento. Poucas coisas são tão plurais como uma sala de aula. É um aspecto preponderante, que precisa ser visto com carinho.”
Larissa concorda e complementa: “meu maior sonho é que a educação chegue para todos e seja direito de todos, como está bonito na Constituição Federal. É estar em espaços de conversa para falar sobre isso e ver que crianças, adolescentes e jovens têm qualidade de vida.”
Segundo a pesquisa Vozes Docentes, promovida em 2023 pela Conectando Saberes, que obteve mais de 8,7 mil respostas, 39% dos professores estariam dispostos a dedicar uma hora de trabalho não remunerado para participar das políticas públicas municipais e 31% até três horas. O mapeamento também revela que 97% dos docentes se sentiriam valorizados se pudessem contribuir com o
desenvolvimento sistêmico das políticas. Nesse sentido, a atuação ativa, bem como a equiparação salarial, podem ser caminhos para motivar e reconhecer essa profissão tão fundamental e comprometida. Feliz vida, professores!
Leia a reportagem especial de setembro aqui.