Variedades

De geração para geração: ressignificando a maternidade

A maternidade é uma narrativa complexa em constante evolução, influenciada pelas histórias transmitidas de mãe para filhos. Com o passar das décadas, vimos mudanças significativas na experiência  – algumas positivas, outras nem tanto. Mas, só quem vivencia a maternidade pode compreender e se identificar com as aflições, os obstáculos e as conquistas, principalmente a dos filhos.

Além das transformações pessoais, a maternidade reflete as mudanças sociais, culturais e o amadurecimento adquirido por meio das experiências vividas. Desde os tempos em que a função principal da mulher era cuidar dos filhos até os dias atuais, em que as mulheres desempenham diversos papéis, incluindo muitas vezes o de provedora da família, o conceito de maternidade tem ganhado novas nuances.

Atualmente, a dinâmica é diferente, levando muitas filhas a refletirem sobre as dores e as alegrias vividas por suas próprias mães. A seguir, conheça as histórias de mulheres de três gerações – Elma, Tatiane e Rafaella – unidas pelo mesmo objetivo de zelar por uma vida melhor para seus filhos. Elas compartilham suas experiências de maternidade, cada uma caracterizada pela sua própria época, mas todas marcadas por um constante cuidado e eterno aprender, em uma forte conexão entre mãe, filha e neta. Entenda também o trabalho da psicopedagoga e terapeuta materno-infantil, Danyara Dias, que orienta a busca pelo autoconhecimento e cuidado, reforçando que além de mães, elas também são mulheres.

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Maternidade
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Uma jornada de descobertas e mudanças

Aos 24 anos, a produtora de marketing Rafaella Silva Schardosim, vivencia há seis meses a experiência de ser mãe pela primeira vez. Embora o nascimento de Maria Júlia (Maju) seja recente, já trouxe mudanças nas perspectivas e planos. Rafaella conta que hoje suas prioridades e visão de futuro são outras. “Minha mãe dizia que quando minha filha nascesse eu também nasceria como mãe”, recorda.

A chegada da filha tem lhe proporcionado um aprendizado constante: “Tudo mudou na minha vida. Agora, tudo que eu faço, profissionalmente ou pessoalmente, é pensando no futuro dela. As coisas que almejo para que ela tenha e seja, faço pensando no bem-estar, na saúde e na felicidade dela também.”

Desafios e rede de apoio

Em meio às mudanças e desafios que a maternidade traz, Rafaella encontra força na rede de apoio formada por sua mãe, avó, sogra e o esposo Matheus. “Quando a Maju nasceu, minha mãe e sogra se revezaram e ficaram sete dias cuidando de mim e da minha filha. Uma ficava de dia e a outra à noite, porque nos dois dias antes dela nascer eu não dormia, tinha dor e contração”, lembra.

O suporte emocional e prático permite à Rafaella conciliar as responsabilidades maternas com os objetivos profissionais. Afastada da faculdade de Jornalismo, onde está no sétimo semestre na Unisinos, ela pretende retornar no próximo semestre. Interromper temporariamente os estudos foi uma escolha consciente para estar mais tempo com a filha: “Não parei os estudos por conta dela, mas também pensando nela. Passo o dia trabalhando, ficar mais a noite fora de casa seria ruim para nós duas.”

Maternidade em evolução

Criada pela mãe Tatiane dos Santos Silva, 47 anos, e pela avó Elma dos Santos Silva, 76, Rafaella vive a maternidade de forma mais atualizada. Ela reconhece que as mudanças culturais facilitaram seu caminho e se sentiu mais preparada. “Eu e minha mãe sempre tivemos um diálogo muito aberto. Ela conta, por exemplo, que quando foi para o parto, não sabia como seria, se ia ter dor, o que ia sentir. Sinto que consegui me preparar muito mais pelo acesso à informação”, relata. “Hoje as pessoas falam muito mais sobre a dificuldade do pós-parto, principalmente a questão da dor ao amamentar e a privação de sono. Antes não se falava muito sobre essa parte difícil da maternidade. Ela tem uma parte maravilhosa, mas também tem essa dificuldade que precisamos falar e saber”, relata.

Conexão geracional

Para muitas mulheres, a relação com suas próprias mães serve como uma bússola, orientando-as através das complexidades da maternidade. Em contraste com as gerações passadas, em que o tema era muitas vezes coberto por tabus e silêncio, Rafaella e Tatiane desfrutam de um relacionamento marcado pela cumplicidade. “Antigamente as pessoas tinham muito mais vergonha de falar sobre as questões que mudam no corpo. Minha mãe e eu somos muito amigas e parceiras, ela me ajudou demais em toda a gestação e continua ajudando. Temos uma relação muito próxima, de mãe e filha, mas também de mulheres.”

Os laços com a avó matriarca Elma também são destacados pela neta. “Minha avó tem a minha mãe e mais dois filhos. A minha mãe tem eu e o meu irmão. Sempre tivemos a figura muito presente da mãe provedora. Com a minha avó foi assim e com a minha mãe também. A vó me criou junto com a mãe, temos esse exemplo de maternidade da minha avó. Claro que hoje é muito diferente, vemos o avanço na maternidade e isso é muito importante”, explica. Assim, Rafaella vê a maternidade como parte de uma tradição de amor e cuidado que atravessa gerações.

Rotina desafiadora

Mãe de Rafaella e Arthur, 14, Tatiane dos Santos Silva é administradora em Gravataí e está quase finalizando a faculdade de Direito. Na primeira gestação, aos 23 anos, cursava Administração e, com o suporte da mãe Elma, terminou a graduação. “Quando a Rafaella nasceu, eu e o pai dela morávamos juntos na casa da minha mãe. Sempre tive o apoio dela durante e depois da gestação, e quando voltei a trabalhar, a mãe cuidou dela, e pude continuar estudando com tranquilidade”, lembra.

Assim também foi na gravidez de Arthur, retornando ao trabalho após a licença-maternidade. Mesmo com ajuda, não foi fácil. Tatiane e o marido se revezavam nas tarefas de levar os filhos a médicos e escolas. Mas, sua presença na vida dos filhos nem sempre foi como gostaria. “Não é fácil, mas é preciso não se sentir culpada por não estar presente sempre. E ter liberdade para conversar com os filhos deixa as coisas mais fáceis.”

Tatiane nunca sentiu que sacrificou a juventude ou interesses pessoais pela maternidade. “A rotina foi complicada. Mas sou de uma geração e criação de que situações como a correria com dois filhos pequenos ou ser mãe muito jovem não me trouxe abalo ou questões ‘como vou resolver?’ ou ‘o que eu vou fazer?’, e isso passo para meus filhos também”, avalia.

Liberdade de expressão

Agora avó, Tatiane vê mudanças na forma como a maternidade é vivenciada, destacando a liberdade de diálogo entre mães e filhos. “A maternidade da minha mãe, as minhas e a da Rafaella foram diferentes. Tenho minha filha também como amiga. Temos respeito como mãe e filha, e muito mais liberdade do que tive com minha mãe”, reflete.

Ela diz que é importante construir um relacionamento de respeito mútuo e espaço para conversas. “Inclusive para o filho saber que mãe não é perfeita, que mãe também tem suas limitações e prioridades, e além de ser mãe, é mulher, esposa, tem seus compromissos e isso não vai diminuir a relação entre eles.”

Força maternal

Hoje no papel de bisavó, Elma recorda que a maternidade lhe trouxe uma felicidade muito aguardada, especialmente após o tratamento para engravidar. “Quando tive a Tatiane, era o que eu mais queria na vida, não pensava muito se ia ser trabalhoso ou sacrificante”, conta. Segundo ela, naquela época as mães tinham menos pressões externas e mais tempo para os filhos, pois o marido sustentava a família, com mais necessidade da mulher ficar em casa. Ainda assim, houve momentos difíceis e mudanças.

“Teve um tempo que esqueci de mim porque eu tinha que trabalhar e cuidar deles”, afirma. “Não percebia o quanto a mãe esquece de si para cuidar do filho. Quando me dei conta, estava doente e não tinha prestado atenção em mim porque vivia para eles.”

Elma é ciente de que as necessidades são outras, que um pai já não consegue sustentar uma família de três ou quatro filhos, por exemplo, sendo preciso que a mãe trabalhe e ajude no sustento familiar. Outras mudanças se destacam na preocupação dos pais pela busca de um local adequado ou alguém a quem possam confiar os filhos e nos objetivos profissionais de muitas mulheres, como ocorre com a neta Rafaella e a filha Tatiane.

Laços eternos

A relação de Elma com os três filhos, cinco netos e a bisneta, reflete a continuidade do legado de amor e cuidado familiar. “Eu fui mãe e avó exigente, por isso eles são pessoas que assumem as responsabilidades. Temos uma conexão muito forte e somos muito participativos na vida um do outro”, observa.

Ela se orgulha da união e da dedicação das mulheres da família: a neta Rafaella e as filhas Tatiane e Graziella, que se apoiam mutuamente em todas as fases da vida. “Elas são muito mães. São muito responsáveis, cuidam dos interesses do futuro. Eu servi de espelho e elas fazem o possível porque hoje a vida é mais difícil também.”

Maternidade na sociedade atual

Ser mãe é uma eterna descoberta, com medos e inseguranças que fazem parte do processo. Muitas se culpam e sentem-se frustradas por não terem tempo integral para dedicação aos filhos. É para ajudar nesses casos e desmistificar o papel da mãe, que Danyara Dias atua como psicopedagoga e terapeuta materno-infantil, propiciando compreensão de que por trás de uma mãe existe uma mulher com vida para além da maternidade.

“Na época das nossas avós a sociedade via a mulher no papel convencional de cuidadora. Faço parte desse time que tem a questão da maternidade e carreira, e busca se encontrar como mulher e profissional”, avalia. “Antes, muitas não precisavam ir ao mercado de trabalho. Hoje, em diversos casos a mãe necessita sustentar o lar, não temos mais o paradigma do pai ser o principal provedor e da mãe como cuidadora. Ainda se tem essa realidade, mas vem mudando, a mulher está buscando sua independência.”

Enfrentando os desafios

Conciliar a maternidade com outras atividades exige uma abordagem equilibrada. Danyara enfatiza a importância do autoconhecimento, do gerenciamento do tempo e do autocuidado para as mães. “Atendo os filhos e percebo que muitos dos sintomas das crianças são impactados pela saúde mental da mãe. A mãe que se sente sobrecarregada com todos esses papéis precisa tomar consciência e se priorizar, porque o filho só estará bem quando ela estiver bem”, diz ela, também como especialista em Infância e Aprendizagem e membro da Rede Estadual pela Primeira Infância do Estado do Rio Grande do Sul (Repi-RS).

Ela sugere que as mães busquem atividades prazerosas para a reconexão consigo, e frisa o quanto é necessário que elas busquem ajuda na maternidade moderna. “A rede de apoio é primordial para a saúde mental e emocional dessa mulher.” Citando o provérbio africano “é preciso de uma aldeia para criar uma criança”, Danyara salienta que a criação não depende exclusivamente da família, e é responsabilidade de toda a sociedade (Estado, escola e instituições de cuidado infantil). Portanto, a mulher não deve se culpar por delegar a criação do filho, e deve aceitar integralmente a ajuda oferecida, alinhando as expectativas para enfrentar os desafios diários como mãe e mulher.

Equilíbrio materno, emocional e profissional

Danyara também compartilha sua experiência pessoal de mãe e profissional. “Não fazia parte do meu repertório não trabalhar”, comenta. Ao engravidar do primeiro fillho, Heitor – com dois anos e cinco meses –, ela atuava em home office corporativo como analista de gestão documental. “Queria equilibrar a maternidade e o trabalho de forma que não afetasse meu filho. Mas, não sabia que tudo que a mãe sente impacta no bebê.”

O reflexo foi sentido com estresse no final da gestação, resultando em hipertensão e diabetes, impactando na saúde do filho que ficou internado na UTI neonatal. Nesse momento ela percebeu que muitas mães passavam pela mesma situação. “Saí do corporativo para mostrar às mães a importância do autoconhecimento, autocuidado e do equilíbrio. Essa transição foi como uma missão, pois via que muitas têm o anseio de maternar e trabalhar. Quis fazer algo diferente por mim, pelo meu filho e por todas as famílias. Muitas mulheres se sentem exaustas e precisam entender que há muita cura além da culpa”, enfatiza.

Ela destaca que também precisa de sua rede de apoio. “Minha aldeia é meu marido, a creche do meu filho e as mulheres que atendo. A sororidade entre as mães é a principal rede de apoio.” Mais detalhes sobre o trabalho podem ser conferidos em @danyaraoficial.

Ana Paula Figueiredo

Jornalista formada pela Unisinos, pós-graduada em Gestão da Comunicação Digital e Mídias Sociais pela UniRitter. Atua desde 2007, com experiência em redação impressa de jornal e revistas, produção de conteúdos segmentados de branded content, e cobertura de feiras na área de design, decoração e arquitetura, como CASACOR, Mostra EliteDesign e Feira Internacional de Fornecedores da Cadeia Produtiva de Madeira e Móveis (Fimma Brasil). Fascinada por literatura, filmes, séries, gatos, café e escrita.

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